Rascunho do Tai

7 Coisas que Aprendi nos 30 dias até a Copa da Rússia

Acabou a Copa do Mundo da Rússia 2018 e eu estive lá.
As pessoas me perguntam como foram esses 30 dias literalmente andando pelo leste da Europa e por fim chegando à Copa na Rússia e é difícil processar tudo, quanto mais explicar. É complicado transformar em palavras porque foram muitos os aprendizados e sentimentos. É algo que muda a forma como você enxerga as coisas mais importantes.
Mas eu queria passar o que percebi pra vocês, de alguma forma, e acho que agora já sou capaz. Como minhas palavras não farão jus ao que senti, ilustrarei o que destaco desse “tempo de nossas vidas” com histórias familiares à vocês. Bora?

Liberdade

Em alguns momentos, como ao observar o “mar de gente” no último dia do Ramadã Turco, eu realizava como realmente somos um pontinho no universo. E somos livres. Entende o poder disso?
O “risco” não é tão grande como parece, se é que ele realmente existe. A rotina, a mídia e a maioria das pessoas nos levam a acreditar no oposto disso, mas nesses momentos você percebe que esse “medo” que a gente tem – de tudo – não tem razão de ser. Você não tem tanto à perder quanto parece.
Imagina só você ser o “pontinho no universo” chamado Alfred Finnbogason. Nascido na Islândia, um país com 350mil habitantes, você decide jogar futebol, sua seleção vai para a Copa do Mundo e, por razões do destino, você faz o gol que arranca o empate contra a bi-campeã mundial Argentina, e ah… com Messi em campo! Na boa, qual era a chance de isso não acontecer? E de acontecer? Para saber, o Alfred precisou jogar – os dados. E nós somos tão livres quanto o Alfred, aliás… somos iguais.
Essa é outra coisa que quero abordar.

Humanidade

Cara, não temos mais barreiras para alcançar as pessoas. “A gente é diferente mas é tudo igual”, escrevi durante a viagem.
Conhecemos gente de todos os lugares do mundo e a origem de cada um tornava-se tão irrelevante quando a conversa começa a desenrolar que parece crível aquela história de que “todo mundo é irmão”. Dá pra fazer. Não é fácil, exige treinamento, boa comunicação e esforço para evitarmos julgar o outro, mas dá para fazer o que John Lennon “imaginou”.
A prova disso são as cenas históricas do jogo entre Portugal e Irã quando, mesmo antes de a partida acabar, a mulher iraniana derramava lágrimas pela emoção de poder estar assistindo um jogo de futebol da seleção de seu país pela primeira vez – direito que elas ainda não têm em sua terra natal.

Ousadia

Nossos antepassados eram muito mais ousados do que nós!
Cara, você vê construções duradouras como as minas de sal de Cracóvia ou o complexo do Palácio Imperial de Hofburg e visualiza que as pessoas faziam e executavam planos grandiosos não só para si, mas para as gerações futuras, para os próximos séculos.
O sonho comum do século XXI é “ganhar na loteria” e ters uma vida boa, mesmo que não entreguemos valor algum para o nosso próximo… Pequeno né? Eu enxergo nobreza na ousadia.
Lembro de Mateus Uribe, meio-campo da Colômbia, nas oitavas contra a Inglaterra. Com o seu time perdendo, aos 46″ do segundo tempo ele arrisca um chutaço do meio do campo que o goleiro manda para o escanteio em uma grande defesa. Do escanteio sai o gol de Jerry Mina: empate heróico da Colômbia.
Poucos lembrarão da ousadia de Uribe – que nem aparece na foto ao lado -, mas ele não se importará: o fez por um bem maior.

Narrativa

Nesse tempo, tivemos contato com histórias e vimos os feitos de grandes caras. Bons e maus. Uma surpresa foi o tamanho do poder da narrativa e dos símbolos nas conquistas deles. É tudo sobre a percepção das pessoas sobre o que estava acontecendo e como eles se posicionavam em relação à isso. Esses caras dominavam a “propaganda” às vezes mais do que o próprio “fim” em si.
Também foi interessante perceber que muitas vezes a história chega até nós com a perspectiva do cara mais forte e a gente nem percebe, pois chega até nós como verdade. Dou um exemplo prático: “Os Russos são um povo frio, são como ursos, talvez você sofra só por ser negro”, disseram ‘eles’. Daí, chegamos lá e temos uma recepção tão calorosa e simpática que em cada um de nós fica acesa a vontade de voltarmos àquele lugar, de estar novamente com os nossos novos amigos.
Quando nem todos têm acesso aos fatos, é tudo sobre como a história é contada.
Veja o caso de Neymar e Griezmann: ambos astros, ambos usaram meios escusos para se beneficiarem e a narrativa transforma um em vilão e outro em herói. Tenhamos pensamento crítico e olhemos além do que nos é mostrado, sempre.

Brasil

Já que falamos de Neymar, falemos também de Brasil. Do país, mais do que a Seleção. Achei incrível o tratamento que as pessoas de todos os países – exceto a Argentina, é claro – dão à nós, brasileiros em geral. É como se eles nos conhecessem, sabe? As pessoas de países menores se identificam e se aproximam, enquanto os de países poderosos nos tratam de forma diferente mas positiva, era algo entre um respeito frio e uma admiração disfarçada.
Na Rússia foi surreal, houve dias em que grupos de 50 pessoas ficavam enfileiradas para tirar fotos conosco, os brasileiros. Por várias vezes, pais e mães de diferentes nacionalidades apresentavam “os brasileiros” para seus filhos pequenos, de maneira simpática.
Na Turquia, o novo amigo Emre me disse que “o Brasil tem potencial pra ser gigante, vocês estão se acertando para o futuro e podem assumir um papel de liderança”. Eu concordo com ele, mas sou minoria absoluta entre nós. Não acreditamos na nossa própria força, talvez por causa da narrativa imposta, talvez pela dificuldade da tarefa que é executar essa transformação.
Acredito que um bom caminho é sermos mais como Philippe Coutinho. Coutinho se preocupou em dar o seu melhor pelo grupo, falar apenas com a bola nos pés e se tornou essencial, líder quando necessário. Humildade, trabalho e respeito são ingredientes de grandeza. E começa por nós, não pelos outros.

Metafísico

O impossível, o inimaginável, a arte, o metafísico, a lenda, a superstição, o sentimento. Aquilo que conecta a realidade com a ficção. Já percebeu que gente é movido por esses elementos, por essas estórias? E, nos países que visitei a arte e a história se misturam muito. Isso une pessoas ao redor de um sentimento de pertencimento e de orgulho que é muito legal, de arrepiar. Traz um sentido para eles.
O que dizer da campanha do desacreditado time da Rússia, por exemplo? A alegria ao se classificarem na fase de grupos. A euforia ao eliminarem a campeã Espanha nas oitavas. A explosão de sentimentos no gol de Mário Fernandez na prorrogação das quartas-de-final, levando a disputa contra a vice-campeã Croácia até os pênaltis? “Nós russos, podemos não ser os mais fortes, mas nós nunca nos rendemos”, nos disseram eles. Aquilo que não se pode explicar é o que verdadeiramente nos move.

Pessoas

Porque no fundo tudo, são pessoas. Somos histórias, fazemos histórias. Nosso grande objetivo foi a felicidade: compartilhar um pouco da nossa alegria com todo mundo que encontrávamos. Sorrisos! E quantos foram… né Rick, Fe, Papa, Leo, Rafa e Bat? Quanta energia, cara! “Eu estou aqui”, disse Cristiano Ronaldo. E nós estávamos lá. Yerry Mina por sua vez, disse: “Eu? Não… Deus!”. Também era minha a gratidão por estar ali, tão longe de casa, mas em vários momentos tão perto de Deus.
Encerro esse resumo da minha jornada com a foto do “Vidinha”, filho do defensor croata Domagoj Vida. O menino ainda é um livro em branco. Quais histórias o “Vidinha” escreverá?
Obs: O mundo não é justo e muito menos cor-de-rosa. Várias das conclusões são discutíveis e também podem estar/estão descrevendo uma bolha de prosperidade no mundo. Cabe a nós colocarmos cada vez mais gente pra dentro da bolha.