Hoje completam-se 650 dias desde o início da “minha Pandemia”. Como ninguém decretará seu término, defino a “minha Pandemia” como terminada e, neste artigo, registro os principais aprendizados que ela me proporcionou especialmente para que não esqueça-os no futuro.
Faça no seu tempo, passo-a-passo; Você tem limites; DevOps na vida;
A Pandemia nos levou a limites tanto emocionais quanto físicos. Em certos momentos, ela nos obrigou a parar. Continuar, por vezes, foi insuportável.
Sempre fui muito obstinado e, em certas horas, me impunha perante as madrugadas e às dores no corpo: a disciplina prevalecia. Durante a Pandemia, isso deixou de ser possível, o que me levou à um conflito interno muito grande. Cheguei a me sentir inválido.
Aprendi, na marra, que há limites que a Natureza impõe e que cabe à mim lidar com eles da melhor forma possível. O finado Prefeito Bruno Covas foi diagnosticado com câncer durante a Pandemia e uma entrevista concedida por ele ao Flow Podcast me trouxe clareza. Transcrevo o discurso abaixo:
[Quando fui diagnosticado com Câncer, o médico me falou] você não vai ter a mesma energia de sempre. Então não adianta você ter agenda das 7 manhã à meia noite que você não vai conseguir. Você vai ter que concentrar a sua agenda. Aí perguntei: “Eu vou ter quantas horas?”. Ele falou “olha, o seu corpo vai te dizer. É como se você tivesse 100% de energia só que agora com a quimioterapia você tem 20%. Então você tem que saber usar esta energia para poder trabalhar”.
Então eu comecei a fazer o horário comercial, aquele horário das 9h às 18h e aí era muito engraçado, porque eu acordava e aí vestia a camisa. E aí, eu não tinha mais força para botar a calça. Tinha que sentar um pouco, esperar um pouco. Aí botava a calça, mas não tinha força para botar o sapato. Tinha que sentar. Aí eu botava o sapato, mas não tinha força para escovar os dentes, mais um pouco aí eu escovava os dentes e assim eu fazia minha agenda. Então fazia uma agenda de uma hora e ficava 15 minutos descansando, fazia uma outra agenda e ficava 15 minutos descansando […], e com isso fui me organizando, me adaptando.
Há uns tempos eu havia estudado o Kaizen, filosofia de negócios de origem japonesa que sintetiza o conceito de melhorias contínuas, sejam elas grandes ou pequenas. Veja que Bruno Covas estava executando o Kaizen em sua própria vida, dando os passos que podia dar, entregando o que podia entregar – dadas as condições.
Aprendi que aqueles que ignoram seus limites ou tentam superá-los de maneira artificial em busca da “vitória” estão se iludindo. E vão dizer que “aquele” é o caminho. O caminho da correria desenfreada, dos olhos fechados para o que realmente importa, do curto prazo.
O primeiro requisito para o sucesso é a habilidade de aplicar incessantemente suas energias física e mental a qualquer problema, sem se cansar.
Thomas Edison
Note, continuo acreditando no lema “Sem dor, sem ganho”, pois mudanças e construções exigirão muita energia e despender tal energia focalizada é algo doloroso. Meus pontos são: é imprescindível investir essa energia em bons propósitos e por um longo período de tempo. O conceito idealizado pelos japoneses é uma ótima maneira para alcançar esses objetivos.
E, como diz Simon Sinek em O Jogo Infinito:
Se escolhermos o caminho para a Vitória, o objetivo é vencer! E depois acabou. E todos vão para casa. […]
Se escolhermos o caminho da Realização, a jornada será longa. Haverá vezes que teremos que olhar onde pisamos. Haverá vezes que poderemos parar e curtir a paisagem e seguimos em frente, e seguimos em frente. E quando nossa vida tiver chegado ao fim, os que se juntaram a nós no caminho da Realização vão continuar a seguir sem nós e inspirar outros a se juntar a eles também.
Trata-se do propósito em primeiro lugar. A busca por algo de longo prazo que servirá de legado até para outras gerações. Não vejo a correria desenfreada nos levando a tal lugar.
Os povos antigos vislumbravam a construção de coisas grandiosas, duradouras. Estima-se que a Grande Pirâmide Egípcia Gizé tenha sido construída em 30 anos¹ e que a Grande Muralha da China tenha sido construída em várias etapas por cerca de 2mil anos². Devemos nos inspirar mais neles.
Sozinho não é o caminho.
Outro aprendizado, talvez óbvio para muita gente mas não tão óbvio para outro montão, é de que a boa jornada passa, obrigatoriamente, pela construção de uma rede de pessoas que trabalhem juntas pelo mesmo objetivo. E, mais do que construir essa rede, desenvolver as pessoas que estão nela, incluindo nós mesmos.
O ponto que quero abordar pode ser bem ilustrado por parte da estória conhecida como o Mito da Caverna de Platão.
Na estória, em resumo, um grupo de prisioneiros nunca tinha visto a luz do Sol, tendo passado a vida inteira acorrentado em uma caverna. Eles, então, viam as sombras de dentro da caverna e acreditavam serem elas a própria realidade, os próprios seres. Em certa altura, um dos prisioneiros consegue se desvencilhar das correntes e descobre todo um mundo exterior. Por compaixão, decide voltar à caverna para compartilhar com os outros prisioneiros todas as descobertas e novidades que vislumbrou.
Por mais que o final do Mito da Caverna seja trágico (os prisioneiros não acreditam no ex-prisioneiro e, na dúvida, matam-no), veja que o ponto de inflexão da estória passa por um sentimento de fraternidade, quando o liberto provavelmente sente que sua evolução não faz sentido se feita de maneira independente, mas sim quando em conjunto com seus iguais.
Assim também deve ser na nossa evolução pessoal e profissional. A minha completude só virá com o compartilhamento, a educação e crescimento dos próximos.
Você sempre pode parar, o Mundo parou.
Aqui o aprendizado foi bem simples.
Por mais inacreditável que fosse – e vamos falar disso abaixo -, o Mundo parou por meses durante a Pandemia. Mais recentemente, com a queda do principal aplicativo de mensagens, todos “paramos” novamente por várias horas. Ou seja, é possível parar a qualquer momento, quando você quiser.
Parece uma falsa simetria, mas não é. Afinal, sua vida está mais sob o controle dos responsáveis pelo aplicativo de mensagens ou sob o seu controle?
Nada é assim tão importante. Frente aos desafios tão metafísicos pelos quais passamos, isso deve continuar sendo claro para você mesmo quando o tempo passar.
Absolutamente tudo é possível; As verdades se dobram à Realidade.
Todos os fatos têm três versões: a sua, a minha e a verdadeira.
Provérbio Chinês
Em geral, considero ter uma boa visão de mundo, de futuro. Tenho, inclusive, o costume de fazer algumas previsões mentais sobre política, economia e outros assuntos que considero relevantes. Por esse motivo, fiquei muitíssimo impressionado com o desenrolar das coisas durante a Pandemia. As verdades se curvaram.
A ciência pode ter parte da explicação. Experimentos sociais realizados em meados do século XX, conhecidos como Experimentos de Conformidade de Asch demonstraram de maneira significativa que a pressão dos colegas (ou pares) pode mudar a opinião e até a percepção de determinada pessoa. O experimento se dava com um participante colocado em uma sala junto com meia-dúzia de atores. Ao grupo eram feitas perguntas óbvias e, quando todos os atores respondiam-nas de maneira claramente incorreta, a resposta do participante “verdadeiro” tendia a ser influenciada, passando a ser também incorreta. Nos estudos, apenas 1/4 dos participantes resistiram com sucesso à essa forma de pressão social. Asch sugeriu que esse procedimento criou uma dúvida na mente dos participantes sobre a resposta aparentemente óbvia.
Voltando aos meus aprendizados pessoais, citarei dois exemplos em que notei a verdade se curvando.
Em março de 2020 era inimaginável que, cerca de um mês depois, por conta da Pandemia que crescia em São Paulo, seria decretado o Toque de Recolher em minha cidade, Maringá, e que tal medida seria acatada quase que de maneira unânime pela população. Necessária ou não, eu – acompanhado de poucos amigos próximos – acreditava que a implantação de uma medida extrema como essa sofreria resistência. Não foi o caso. Pelo contrário, com a possibilidade, mesmo que adiantada, de transmissão da doença em nosso solo e impactada pelas notícias do exterior, a população apoiou toda e qualquer suposta tentativa de aumentar a própria segurança.
O segundo exemplo se deu em setembro de 2021. O jogo entre Brasil e Argentina, que aconteceria em território brasileiro, foi cancelado ao vivo, quando a bola já rolava. Diante da falta de informações claras, correntes de opiniões foram se formando em tempo real. O próprio narrador, Galvão Bueno, dizia o acontecido tratar-se de um “vexame mundial” promovido pela nossa nação. Nesse momento, eu acompanhava um jornalista no Twitter vociferando contra as autoridades brasileiras em tom jocoso. O público, em sua maioria, também seguia essa corrente. Eram as verdades daquele momento. Alguns instantes depois o presidente da agência nacional responsável pelo “embargo” deu entrevista, também ao vivo, explicando as infrações cometidas pelos argentinos e responsabilizando-os pelo acontecido. O tom de Galvão mudou, tal como o da maioria do público. A verdade tinha mudado. A jornalista do Twitter permaneceu em sua corrente inicial, agora atropelada pela massa que já acreditava em outra verdade, que permaneceu nos dias seguintes e até então.
As aparentes verdades se curvam à outras verdades e em último caso à própria realidade. Dado que a realidade é imprevisível, a verdade, tal como conhecemos, é um esboço, uma sombra da Verdade, esta sim com inicial maiúscula, imutável e perpétua – aquela do Provérbio Chinês, que não é nem minha e nem sua.
Investir em quem está pronto para ser investido.
O último dos meus aprendizados relevantes na Pandemia tem a ver com pessoas, crescimento e a nossa maturidade.
Neste particular, sou igualzinho às parteiras: estéril em matéria de sabedoria, tendo grande fundo de verdade a censura que muitos me assacam, de só interrogar os outros, sem nunca apresentar opinião pessoal sobre nenhum assunto, por carecer, justamente, de sabedoria. […]. O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam [os que tratam com Sócrates] nada comigo; neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo.
Platão em Teeteto
No excerto acima, Sócrates se compara às parteiras no que tange ao conhecimento, dizendo que não consegue fecundar conhecimento naqueles que buscam aprender com ele, mas “dá a luz” ao conhecimento que já existe dentro deles e que, então, vem ao mundo como coisas belas.
Em qualquer situação, essa vontade, esse embrião, tem de estar dentro da gente para que o outro possa nos ajudar. Precisamos estar maduros para que possamos nos beneficiar dessa ajuda. Caso contrário, os esforços daqueles com boa intenção serão como sementes jogadas em terreno infértil: em vão.
Isso me trouxe mais tranquilidade para continuar compartilhando conhecimento e convidando pessoas para se juntarem à jornada, mas também mais consciente de que haverão aqueles que não estarão no mesmo momento e que isso é natural.
Se o que não nos mata, nos torna mais fortes: Obrigado Pandemia, pelos aprendizados e pela força-extra. Seguimos!
¹Fonte: Gazeta do Povo
²Fonte: Super Interessante