Rascunho do Tai

The Chasm.

Um pastor fazia uma pregação sobre perseverança. Era manhã de sábado, mas não uma qualquer. Bruce tinha subido um degrau naqueles últimos dias. Dado um salto. Mas voltemos à pregação.

O homem, que por ironia ou não já não era mais pastor, encorajava as pessoas à não esmorecerem. E como metáfora, apresentou a história dos primeiros alpinistas que chegaram ao topo do Monte Everest.

“O corpo humano”, dizia o pregador, “sofre uma série de efeitos por conta da altitude. Desde náuseas e insônia, nos primeiros 3mil metros, passando pelo congelamento da garganta aos 6mil, até alucinações e taquicardia aos 8mil metros, quando mostra que definitivamente é hora de descer”. Seu ponto era que assim como as escaladas, a vida tinha estágios e oportunidades para descer, mas que as dores valeriam a pena quando o topo fosse alcançado, a vista apreciada e – após a descida – compartilhada com outros.

Bruce gostou da abordagem do homem. “Estágios… Sim. Estágios.” pensou. Tinha acabado de alcançar os primeiros metros do seu Everest. E se sentia assim, satisfeito o bastante para se presentear com uma noite de descanso em uma barraca fria, mas ambicioso o suficiente para começar a planejar a próxima etapa da subida.

Foi para casa caminhando e claro, discutindo consigo. Durante o percurso deu nota A- para o sermão, justificando (sim, para ele mesmo) que faltava algo na metáfora que a tornaria completa: a travessia do abismo.

Na escalada sempre há a opção de parar, descer… tentar depois. No abismo não. Ele é binário: alguém simplesmente não pode “quase atravessar o abismo”. O abismo é o desconhecido. Atravessá-lo requere mais do que vontade, é preciso fé.

E na metáfora de Bruce, pequenos abismos separavam quem chegava ou não ao topo. Lembrava daqueles personagens de desenhos, dos grandes saltos, o esforço extremo para se agarrar na outra extremidade e a merecida conquista do topo. “Ahh! O topo…” pensava, “lá onde as coisas simplesmente brilham. Fluidez. Plenitude!”.

Bruce admirava tanto a travessia quanto a ideia de alcançar o topo. E dando os méritos devidos ao orador, achava a ideia da partilha um fechamento perfeito.

“O abismo”, pensou Bruce pela última vez antes de chegar em casa, satisfeito. Ele ainda mal enxergava o topo, mas vislumbrava o abismo e estava ansioso para atravessá-lo.