Rascunho do Tai

Pandemia. (Parte 2)

Estamos passando por uma crise global que, em certos aspectos, não tem precedentes. Muitos analistas já preveem que a crise atual seja maior que a Grande Recessão (2008) e outros têm comparado a situação atual com a Grande Depressão (1929).

During the Great Depression (1929), unemployment spiked to 25%, and the country’s output plummeted by nearly 50%. At its peak, the unemployment rate never climbed above 10% during the Great Recession (2008).
@MattEganCNN, 08/2014

Goldman Sachs sees 15% jobless rate and 34% GDP decline. […] For the full year, Goldman forecasts a 6.2% decline in GDP, which also would be worse than anything the nation has seen going back to the Great Depression.
@JeffCoxCNBCCom, 03/2020

Bilhões de pessoas estão sendo mantidas isoladas em casa em cerca de 160 países. Considerando que somos mais de 1 bilhão apenas desde 1804, este fato é histórico por si só.

A Terra como um organismo

Se uma nação perde, todas perdem. A visão egoísta simplesmente não é lucrativa.
Tainan Fidelis

Recentemente li um livro que mudou alguns paradigmas pessoais: Creation: Life and How To Make It do Steve Grand.

Dentre os vários argumentos expostos, o autor defende que vida é um fenômeno persistente, “algo que persiste durante longos períodos, enquanto simultaneamente está em fluxo. A matéria [por exemplo] flutua de lugar em lugar e, momentaneamente, se junta para tornar-se você.”

Ainda segundo o autor, vida é um sistema em fluxo composto de vários outros fenômenos persistentes como células, proteínas, moléculas e átomos.

Da mesma forma, ele enxerga a própria sociedade como um fenômeno persistente. Se analisarmos bem, faz bastante sentido. A sociedade se regenera, se adapta e continua existindo. Seres humanos são as pecinhas que fazem esse grande mecanismo continuar em movimento.

Dotado desse paradigma, hoje me sinto confortável em enxergar a Terra como um grande organismo. Definindo-a como tal, é possível tirar conclusões muito interessantes.

Interconexão entre os eventos

A maior delas é que as coisas estão interconectadas. Em um organismo, cada órgão tem sua função, contribuindo para o todo da sua maneira. O organismo continua a viver mesmo quando um de seus órgãos é afetado, mas há perdas. Certas vezes elas são graves e em outras, fatais.

Na Terra, se uma nação perde, todas perdem.

Vejo pessoas preocupadas em fechar seus países, estados e cidades para que “o vírus não chegue”. O que elas parecem ignorar é que não existe sucesso local quando você faz parte de um organismo. Se você estiver com câncer em estágio avançado, tratar as unhas não resolverá o problema, entende?

O cenário atual apresenta as mesmas condições. Se a nossa cidade estiver saudável mas as cidades vizinhas estiverem doentes, inevitavelmente sofreremos as consequências. Se um país deixa de reportar dados importantes sobre a pandemia, isso afetará todos os outros países que usam as informações para simular cenários. Se um perde, todos perdem.

A visão egoísta simplesmente não é lucrativa.

Por que Saúde versus Economia?

A interconexão descrita acima também está presente na relação saúde e economia. O dilema que vivemos é: i) prolongar o isolamento social para conter o avanço da pandemia e sofrer as consequências econômicas, ou; ii) diminuir o isolamento social progressivamente e reacender as relações de produção e consumo.

Com poucas informações definitivas à disposição, todos estão com muito medo – lembre-se, vida é um fenômeno que quer continuar persistindo, vivo. Hoje, qualquer uma das decisões acima é mero chute.

O que me deixa atônito é o consenso geral (83% da população, segundo o Datafolha) de que salvar a maior quantidade de vidas imediatamente é a única coisa certa a ser feita. A única.

Líderes populistas abraçam a ideia sem olhar para trás, ceifando inclusive a liberdade dos seus cidadãos em nome da saúde. Do outro lado, líderes nada empáticos sugerem que se ignore o problema da saúde pública, para que as pessoas voltem à produzir e assumam o risco por suas vidas.

É como se saúde pública e economia fossem matérias desconectadas, entende? Não é difícil ligar os pontos.

Cada mês de isolamento total causa redução do PIB (produto interno bruto). Por sua vez, cada ponto percentual perdido no PIB causa aumento no número de desempregados. Uma população desempregada causa diminuição no IDH e, mais especificamente, queda na renda per capita, no nível de educação, redução expectativa de vida e alta na taxa de mortalidade infantil. E aqui estamos, de volta à saúde pública. O caminho inverso também é óbvio.

Ambos são sistemas de um mesmo organismo que precisam ser protegidos em conjunto para que o todo se beneficie.

Desregulando tudo!

Outra conclusão derivada da análise da Terra como um organismo é observar sua evolução natural e generalizada, mesmo em sua complexidade.

Uma vida carrega em seu código genético milhões de ciclos de melhoria. Por meio da mutação e seleção, cada célula é melhorada e cada mecanismo é aperfeiçoado. Observando a completude da natureza entendo que, se determinado mecanismo se dá de tal maneira, foi o melhor possível até aquele momento.

Se o fênomeno ainda persiste, é porque teve méritos até então.

Trazendo nossa conversa para as relações humanas, por mais que critiquemos suas injustiças, temos que aceitar os méritos do sistema vigente e melhorá-lo. Tal como na natureza, o caminho para a evolução como sociedade é a melhoria cíclica, contínua, persistente e generalizada, não a destruição.

Células-tronco ou tumores?

Vejo, nesse momento de crise, muitas ações drásticas, que impactam a todos de forma estrutural e por várias gerações sendo tomadas de forma centralizada. Na última semana, o Presidente dos EUA, Donald Trump, imprimiu 2 trilhões de dólares em seu pacote de estímulo à economia. O Governo Brasileiro fez um pacote mais modesto de R$147bi além de uma “injeção de liquidez” de 1 trilhão de reais para incentivar os bancos privados à emprestarem dinheiro barato.

No meio econômico, o termo imprimir é utilizado pois é exatamente como se a casa da moeda de um país imprimisse notas de papel, entregasse às pessoas que, por sua vez, acreditariam poder trocá-las por bens (como comida, carros, roupas) ou mesmo outras notas.

In 2018, global GDP amounted to about 84.93 trillion U.S. dollars.
Statitsa.com

Imagine toda a riqueza que o mundo produz em um ano em forma de itens. Todos os iPhones, os carros da Mercedes e iates luxosos, todos os lanches do McDonalds, todos os aviões da Boeing e caças militares construídos. Esse é o chamado PIB Global e equivale a 84 trilhões de dólares.

Veja que com um toque no botão imprimir, só o presidente americano criou, do nada, 2 novos itens do que quer que você tenha pensado. Claro, Trump criou essa riqueza em forma de papel, mas se você entregar este mesmo papel para o dono do item, ele aceitará a troca.

Você pode estar se perguntando se um cara, uma única célula do sistema, pode tomar uma decisão dessa proporção e a resposta é que permitimos isso. Esse nem é o maior problema.

Essas células centrais, além de poderem “criar recursos” oriundos da sua imaginação, também têm o poder de escolher quais as células que receberão os recursos recém-inventados e quanto receberão.

Historicamente, aqueles muito grandes para quebrar recebem a maior parte dos recursos, como aconteceu no aporte junto aos bancos durante a Grande Recessão (2008). Isso começa a acontecer hoje, com o apoio à companhias aéreas e de outros setores já anunciado pelo BNDES. Os pequenos geralmente recebem nada ou quase nada, como os R$200 mensais propostos pelo governo brasileiro (como comparação, hoje um Big Mac custa cerca de R$30).

Beneficiar um em detrimento de outro não é querer o bem do todo.

Fica a pergunta: seriam estes centralizadores nossas células-tronco, dotados da empatia e conhecimento para entender a necessidade de cada um de nós, ou estariam mais para tumores que favorecem aqueles que atendem às suas convicções localizadas sem se importar genuinamente com o funcionamento geral do organismo?

Admiro a beleza e elegância da atividade econômica por sua complexidade, acessibilidade, universalidade mas principalmente pela sua auto-sustentabilidade. No seu estado puro, aproxima-se da justiça. A economia é o nosso sistema circulatório.

Se, mesmo no momento de crise, abrirmos mão dessa auto-sustentabilidade, creio que estaremos regredindo ao invés de evoluir. Afinal, qual será o sentido?

What’s the point?

Repito que considero a economia o sistema circulatório da Terra.

É o que permite que o agricultor Marcos de São Jorge do Ivaí converta os grãos de soja que produz em uma viagem para conhecer os campos de concentração nazistas na Polônia. Ou que o adolescente Luis de Cuzco transforme suas horas de estágio no escritório de advocacia em acesso às músicas de uma banda de K-pop sul-coreana.

Tal como a internet, a economia nos conecta e nos permite.

Nós, como todo, não podemos aceitar que pessoas – não muito melhores que nós – simplesmente criem e distribuam montantes extraordinários de riqueza ao seu bel-prazer. Riqueza que o Marcos, o Luis e cada um de nós gastamos tanto suor para produzir.

Se não, qual seria o sentido de estudar para conseguir bons empregos e entregar valor para o todo? Qual seria o sentido de seguir o Sonho Americano, se as regras do jogo são reescritas quando é conveniente? Ou melhor, se as regras do jogo na verdade nem existem?

É a definição de injustiça. Ou caos.

Tal como em um organismo, o sistema é falho e precisa de melhorias constantes. Em momentos como esse, cabe a nós pensarmos de maneira racional, como um coletivo e tomarmos decisões considerando o longo-prazo. Tenha certeza, persistiremos!

Referências

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Okun
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45504461
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,saiba-o-que-e-um-lockdown,70003253324