Rascunho do Tai

Pandemia. (Parte 3)

É quarentena, dia 28.

No texto de hoje, gostaria de analisar as fases da quarentena e as diversas reações que esta tem causado nas pessoas. Acho que ganhamos muito fazendo a análise em retrospectiva, vamos nessa?

Dia 1: Histeria e medo

O primeiro ponto é que somos muito bons em criar julgamentos. Quando alguma informação chega até nós, geralmente já estamos prontos para proferir uma opinião ou um julgamento. Poucos de nós temos o hábito de processar a informação e explorar o seu entorno antes de agir.

Como segundo ponto, constato que estamos programados para sentir medo e, tal como o julgamento precoce, entendê-lo e superá-lo é algo que tem de ser treinado para que se torne um hábito.

Os primeiros dias foram de histeria e medo generalizados. O medo já era presente quando as coisas aconteciam na China, mas conforme o relato dos eventos começaram a se aproximar geograficamente com as mortes na Itália e os primeiros casos em São Paulo, o temor aumentou de maneira vertical.

Curiosamente, todas as mães que eu conheço entraram em desespero simultaneamente. Mensagens catastróficas falsas começaram a ser compartilhadas pelo WhatsApp por pessoas consideradas cultas. Amigos próximos “arrojados” começaram a duvidar de suas próprias certezas.

O egoísmo da luta pela vida

Nos momentos iniciais do “estouro” da pandemia, racionalmente ou não, pensamos apenas em nós mesmos. No momento do baque, você quer ficar vivo.

Perceber isso me feriu um pouco mas, ao olhar para o espelho, vi que também o fazia.

Notei de forma bem clara que foram necessários alguns dias para que, mesmo pessoas próximas, começassem a fazer checagens para confirmar “se estava tudo bem” de forma recíproca.

Dia 7: Efeito Manada

Começamos a usar massivamente o álcool em gel para a higienização. Tal produto se esvaziou das farmácias e mercados. Fomos aos mercados e compramos caixas de alimentos para serem estocados, incluindo papel higiênico, inexplicavelmente. Deixamos de nos cumprimentar. Passamos a usar máscaras.

De forma arbitrária e sem a concordância da Organização Mundial de Saúde, o governo dos EUA fechou suas fronteiras com a Europa e, na sequência, centenas de países fecharam suas fronteiras para com outros países.

A China implementou o isolamento total. A Itália implementou o isolamento total. Todos os países adotaram o isolamento total.

Efeito manada é a tendência humana de repetir ações feitas por outras pessoas, ainda mais se estas forem influentes, esperando assim ter o melhor resultado possível em um mar de escolhas. O nome é dado graças à semelhança com o que ocorre no reino animal. Especificamente, com espécies que vivem em comunidades.
Suno Research

Enquanto víamos pela TV as pessoas morrendo na Itália e as cidades se fechando em quarentena, fizemos o mesmo. Líderes locais, com tantas informações disponíveis quanto um cidadão comum, colocaram cidades em isolamento total. Estradas foram fechadas. Medidas como o “toque de recolher” foram implementadas em cidades ainda sem mortes pela nova doença.

Neste texto não quero discutir a eficácia das ações que tomamos como manada. De qualquer forma, elas eram e são muito discutíveis. Por definição, o efeito manada acontece em cenários de extrema incerteza, em que a maioria dos agentes não tem informações o suficiente para tomar decisões.

A falsa sensação de segurança

Por buscar uma visão mais racional dos acontecimentos, almejo sempre fazer uma análise menos emotiva. A minha conclusão é que todos nós estamos soltos.

O caos é a regra e não uma exceção, mas nos convencemos do contrário.
Tainan Fidelis

Pense comigo. Nós vamos trabalhar e temos nossos salários. Temos nossas casas, nossas famílias. Nos sentimos seguros.

A verdade é que não estamos. Em momento algum.

Em tempos normais pessoas são demitidas. Empresas entram em falência todos os dias. Pessoas morrem subitamente todos os dias. Sempre há a possibilidade dessa empresa ser justo a nossa ou ser um de nossos parentes o “escolhido”.

Não trata-se de uma visão pessimista, mas realista.

Meu ponto é que nos defendemos da realidade do mundo ao não considerar esses cenários e, pelo contrário, ao criar cenários imaginários em que temos controle da situação. Não temos.

Ao meu ver, é exatamente isso que acontece no momento atual.

Nos deparamos com um vírus microscópico e desconhecido. Não sabemos o que fazer. Começamos a agir de forma muitas vezes incoerente e as ações servem mais para nos confortar do que qualquer outra coisa.

É para o nosso bem… ou não?

Não se sabe se usar máscaras é eficaz ou ainda mais prejudicial.

A estocagem de produtos não é necessária, visto que o abastecimento continua estável.

Sabe-se que lavar as mãos é tão eficiente quanto usar álcool em gel, mas quantas vezes ao dia deveríamos lavar as mãos? Será que você está lavando do jeito certo? Aliás, você sabia que existia um jeito certo?

Não se sabe se as pessoas ficarem em casa impacta ou não na propagação do vírus e, apesar disso, o isolamento é tido como uma medida quase unânime. Qual é a eficiência, exatamente? Em comparação, como os países que não o adotarem vão se sair no achatamento da curva?

O governador de São Paulo fechou salões de beleza mas autoriza que os cabeleireiros atendam clientes à domicílio. Qual a diferença, cientificamente?

A prefeitura de Maringá implementou um toque de recolher das 21h às 05h. Qual o impacto da medida especificamente nessa faixa de horário?

Mesmo com todas essas incertezas, aplicamos e apoiamos cegamente essas medidas acreditando estarmos fazendo o nosso melhor. Acreditando estarmos no controle da situação. E mais, pela integridade do nosso seguro mundo imaginário, execramos aqueles que não concordam conosco por estarem se posicionando “contra o bem de todos”.

Apesar da análise fria e crítica, creio ser uma obrigação de quem consegue enxergar a situação de maneira menos emotiva ajudar aos que precisam de suporte e carinho nesses momentos em que o caos é mais visível.

Dia 14: A ficha que quer cair

Nesse momento, as pessoas já estão há algum tempo em suas casas. O medo inicial ainda existe, afinal surgiu de forma muito aguda, mas ja é melhor compreendido.

Passa a crescer o sentimento de que não trata-se de algo definitivamente excepcional, mas um evento que terá de ser ultrapassado como tantos outros.

Com a sensação de “normalidade” começando à ressurgir, as preocupações da “vida real” passam a se contrastar com o medo ainda presente: “De onde virá meu dinheiro se não estou trabalhando? Quais serão as consequências para o país de pararmos tudo por tempo demais? Será que exageramos? É hora de voltar?”.

Image: Capa da Folha de São Paulo 12/04/2020.
A mídia brasileira foi bastante incisiva ao espalhar o medo imediato em relação à doença e deu pouco destaque aos cenários futuros até que fossem óbvios.

A ficha quer cair, porém ainda há medo e incerteza. Outro fator importante é que já foi investida muita energia na defesa do “mundo imaginário” e nenhum de nós gosta de assumir que estava errado. Por via das dúvidas, continuamos como estamos.

Dia 21: A narrativa em retrospectiva

Com o tempo, a miragem do apocalipse previsto começa a dissipar-se diante da realidade agora experimentada, essa sim inegável.

A maioria, que antes punia opiniões contrárias, agora passa a apropriar-se daqueles mesmos argumentos, numa estória adaptada.

A narrativa que passa a se desenhar é de que “o esforço valeu a pena” e que o presente é nada mais do que o resultado efetivo das ações conjuntas realizadas por todos.

“Afinal, se não tivéssemos feito tudo o que fizemos, teríamos experimentado o apocalipse, de fato”. Novamente, um discurso que atribui tanto a causa quanto o efeito dos fenômenos à ação dos seres humanos, donos do conhecimento e no controle da situação.

E claro, “agora que controlamos o fenômeno, mesmo que tenhamos destruído alicerces pelo caminho, iremos para a reconstrução dos mesmos”.

Entramos e saímos de nossas caixas protetoras imaginárias sem sequer saber ou reconhecer que o fizemos, mesmo quando os fatos apontam claramente para tal.

Aprendizados

Para mim, o principal aprendizado foi de que, seja em tempos de pandemia ou não, estamos soltos num caos (divinamente organizado).

Lembrar disso todos os dias e trabalhar para mantermos-nos em paz, equilibrados, conectados com Deus é a maior proteção que podemos construir para nós mesmos e para os nossos próximos, ao estarmos melhor preparados para servi-los.