Rascunho do Tai

Rabiscos no Gráfico da Vida (Parte II).

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Música: Tchaikovsky: 1812 Overture Op. 49

Há 1062 dias Bruce tinha rabiscado seus primeiros pensamentos sobre o gráfico da vida. Ele já tinha percebido claramente que o tempo era um assunto recorrente em seus rascunhos.

Agora ele apresentava uma teoria mais bem esculpida (e com direito à animação em vídeo). Mas de onde tinha surgido tudo aquilo?

Naquele momento Bruce tinha começado a sentir nos ombros todo o peso das suas responsabilidades. Antes do Vôo, ele ainda contava com Sean para quase tudo o que precisava… Sean não estava mais por perto.

Os primeiros dias após o Vôo tinham sido tranquilos. Eram novos sentimentos, novas emoções e algumas novas dores, mas daquelas que Bruce já esperava. Além disso, ele estava com a “bateria cheia” para desengatilhar os problemas que viriam em sua direção enquanto alcançava seus ideais. O otimismo era contagiante e a fé inabalável, mesmo nos dias difíceis.

E continuava suas batalhas. Treinava no castelo pela manhã e almoçava próximo à décima hora com os aldeões, sempre buscando conhecer e entender a sutileza de cada alma com a qual se deparava. Nas noites, higienizava-se e recolhia-se em seus aposentos. Estes serviam de proteção para a esquizofrenia do mundo e, ao mesmo tempo, eram o templo por onde se conectava com os lugares mais distantes, incluindo seu próprio eu.

Devido às batalhas, com o tempo e os golpes que continuaram, um após o outro, ferindo suas ações e cada reação consequente, ele estava cansado. Sua bateria agora precisava de carga. E Sean não estava mais ali. Ou estava, mas representado apenas por suas palavras sábias que ainda ecoavam na mente de Bruce.

“Hoje não é o dia em que eles vão me ver suar”, repetia para si mesmo. A voz que já tinha sido tão forte, nesses dias parecia desvanecer-se. Ele não ficava mais novo, as responsabilidades aumentavam e a força, agora, tinha de provir dele mesmo.

Foi quando Bruce se perguntou: “Seriam a lenta morte de meus ideais e a desgostosa conformação com a ‘realidade’, passos inevitáveis no amadurecer dos homens?”.

Longe de ser uma lamentação, a dúvida era genuína. Bruce estava disposto a fazer todo o necessário para ser o melhor dos homens que podia ser. Ao mesmo tempo, seu gênio já esperneava com a mínima possibilidade de ser forçado a ficar preso na lâmpada.

Excelente aprendiz que era, Bruce então decidiu visitar e questionar três dos sábios anciões do vilarejo: Alva, Berk e Helles.

No raiar do primeiro dia, Bruce bateu na porta de Alva, a Grisalha. Tinha a casa mais bela do lugar, toda construída em variações de tipos de madeira, parte in natura e parte pintada com tintas vermelhas, verdes e azuis, todas em tons pastel, já desbotadas com o passar dos anos. Pendurados nos batentes, por toda a entrada se viam vasos de flores coloridas e plantas em tons de verde.

Alva, uma senhora aparentando 70 anos – e estar acordada há muito tempo – logo abriu a porta e atendeu Bruce com um belo sorriso, mas sem convidá-lo para entrar. Após ouvir os relatos de Bruce, disse: “Eu sei bem o que estás passando, menino. Digo-lhe uma coisa… Eu também tinha essa chama dentro de mim. Agora as lembranças me vêm. Eu queria mudar o mundo. Era combativa, não tinha medo de cara feia.”

“Digo-lhe o que me fez ficar assim, prestando mais atenção nas minhas flores, lindas florezinhas… foi a guerra! Com a guerra, entrei como enfermeira-voluntária do hospital e, depois que tudo acabou, continuei por lá. Ainda me lembro da enfermeira-chefe, o seu caso com o oficial general e o completo descaso com o hospital. Dava o melhor de mim, mas aos poucos vi que meu esforço era em vão. Hoje, prefiro minhas flores, lindas florezinhas.”.

Bruce agradeceu a mulher pelo relato detalhado. Quando já preparava-se para ir embora ela finalmente o convidou para um café, que Bruce recusou educadamente. No outro dia, visitaria o velho Berk.

Som de música, de muitas vozes acaloradas e do soar das canecas de cerveja batendo nas mesas. Bruce não tinha o costume de ir à bares ou pubs pois sempre havia muita gente e simplesmente não era o seu tipo. Logo avistou Berk, um homem gordo já para lá de seus 50, em uma mesa com vários homens e mulheres não muito bem-apessoados. Berk também não era o sinônimo de beleza, mas tinha sido receptivo com Bruce e era conhecido por já ter passado poucas e boas.

“Bruce!”, Berk gritou ao levantar-se da mesa, “Fiquei sabendo que quer falar com o Velho Berk… Como eu posso te ajudar, cavalheiro?”.

“Ah, sim. O tempo e as oportunidades. Eu tive muitas na vida. Não vou mentir, eu farreei para caramba! Se você soubesse cada princesa que me envolvi quando tinha a sua idade… Eu torrava tudo o que ganhava! E fazia dinheiro, como fazia. Hoje me vejo obrigado a ficar aqui, agradando o pessoal para continuarem frequentando o bar. Não que o bar seja ruim, sustenta à mim, à velha e às crianças”, disse, apontando para a mulher que fritava carnes na cozinha.

“Mas, pensando hoje, eu teria feito coisas diferentes. Eu teria pensado mais à frente, economizado mais contos. Fui fiel à algumas pessoas e investi muito tempo em coisas que não deram em nada. Aí tive que casar e, bom… Eu precisava estar mais preparado.”. Nesse momento Berk desvia o olhar para longe, como se estivesse assistindo à um pequeno filme, mas logo volta a si: “Enfim Bruce, essa é a vida nao é? Preciso voltar para lá… Sempre que precisar, você sabe que o Velho Berk estará por aqui!”. Já cansado, Bruce voltaria para casa e se prepararia para a conversa mais importante, com o Conde Helles.

Ao chegar próximo dos portões do castelo, Bruce esperou se abrirem por completo e entrou. “Sobrinho querido! Já são semanas que não o vejo… Até quando vai sobreviver no meio daqueles aldeões?” e soltou uma risada levada. Helles era um bom homem, o mais respeitado do vilarejo, não só por sua posição mas pelos seus feitos e vasto conhecimento.

Depois de ouvir Bruce contar as suas inseguranças e as histórias de Alva e Berk, o homem disse:

“‘Só depois de meio século de vida compreendi que, ao nascer, todas as portas da vida se abrem. Contudo, à medida que os anos vão passando e você não aproveita a abertura, elas vão se fechando, uma a uma contínua e indefinidamente até sobrar apenas uma, a da morte.‘ O texto é de um ancestral de nossa família. Ele mostra que inevitavelmente, com o tempo, você terá menos oportunidades. Mas não só pelos motivos óbvios como velhice e cansaço, que inclusive não acredito serem tão relevantes para homens pensantes como nós.”

“Você terá menos oportunidades por vários outros motivos. O primeiro é que cada escolha sua simultaneamente abre algumas portas e fecha outras. Além de suas escolhas, o próprio mundo – em constante movimento – contém zilhões de agentes externos que também impactam diretamente na sua vida em um ciclo contínuo.”

“Ao viver e tomar decisões, você estará acumulando capital, seja ele conhecimento, energia, dinheiro, relacionamentos ou qualquer outra coisa. Um ponto muito importante é que esse capital perde valor com o tempo, ele inflaciona. Um exemplo claro disso é quando as pessoas têm que estudar depois de velhas e muito do que elas aprenderam na juventude já não é mais útil.”

“Enquanto o capital que acumulamos tem cada vez menos valor, com o passar dos dias, o nosso montante de tempo disponível inevitavelmente diminui. Ou seja, você tem cada vez menos tempo hábil para implementar as oportunidades. Inversamente, as oportunidades tendem a ficar cada vez mais caras.”

“Em alguns momentos da vida de um homem, seja pela idade, condição social, nacionalidade ou qualquer outra variável, a chance de uma pessoa implementar determinada oportunidade realmente pode ser próxima de zero, mas nunca zero. Ela ainda existe, só ficou bem cara para aquele homem, dado o conjunto de escolhas (próprias ou externas) anteriores.”

“Boas escolhas levam a mais capital acumulado e mais oportunidades, porém a recíproca é verdadeira. É preferível, para uma viagem tranquila e bem vivida, que você continue crescendo, acumulando capital e prolongue a chegada ao Grande Cume, mesmo que tenha Vales Locais, como os que está passando agora.”

O Gráfico da Vida – Parte II

“Um grave perigo, que observo de forma reiterada nas histórias de Alva e Berk, é você deixar de crescer, de escalar rumo ao Grande Cume e, por consequência, começar a descida do Grande Vale. Isso se dá por vários motivos na vida das pessoas, por decepções profissionais, como aconteceu com Alva, por pressão da sociedade, como foi com Berk, em razão de decepções amorosas, entre outros.”

“Uma vida muito bem vivida seria aquela de puro crescimento, do início ao fim, sem sequer experimentar o Grande Vale. E aí entra o principal conselho que quero lhe dar hoje: a importância do incentivo. Sempre teremos dias ruins, os vales locais, mas precisamos de pessoas (agentes) que nos empurrem para cima. Seja a esposa, um irmão, amigo ou qualquer pessoa. E você sabe, Bruce, sempre que precisar estarei aqui por você!”.

Pensativo, com a cabeça fervilhando e torcendo para não esquecer nenhuma parte daquela sessão de transferência de conhecimento que tinha acabado de acontecer, Bruce agradeceu exaustivamente a ‘aula’ de Helles e se despediu.

Agora, ele sabia que o rumo de sua história não estava condicionado aos anos de seu nome. Estava certo do que tinha feito, do que ainda pretendia fazer e de que tipo de pessoas gostaria ao seu lado nas batalhas que estavam por vir.